sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Fidel

Clarice vivia assim; seu amor na rua era João e em casa, ela era amor de Fidel, o cão. Clarice sorria, dançava, pensava e na rua tinha em João companhia e em casa, Fidel olhava a janela sem entender o porque Clarice saia. Nunca soube a que horas ela partia e o tempo que perdia no trajeto, pois para cães, a contagem do tempo não existe. Toda vez que ele a via saindo, era sempre a última vez de Clarice em sua vida, um adeus diário que mantinha Fidel na janela. O amor de Clarice por Fidel era um amor humano.

O amor de João por Clarice talvez um dia existisse, pois a paixão dele por ela era racionada, escassa, não diária. Mas diferentemente, os sorrisos eram constantes, sorriam juntos. Sorrisos demais para o tempo que não existia para Fidel, que ao faro, faz viva Clarice á quilometros. O cheiro de Clarice é a única certeza que as saídas, não são adeus, ela voltaria e prontamente, ele estaria na porta quando o cheiro dela estivesse a metros, depois a passos até finalmente abrir a porta de casa e lhe emitir sons incompreensíveis, porém bons, já que logo vem carinhos à cabeça, coçadinhas na barriguinha e um carinho de humano para cão. Fidel via em Clarice sua versão humana, não havia outro humano melhor do que ela.


O amor de Fidel por Clarice era Canino. O amor de Clarice por João nasceria humanamente, não tinha paixão mas tinha certeza que a paixão antecede, em muitos casos, o amor ou o rancor. Ela queria sentir paixão por João, dedicava-se a isso e muitas vezes sentia que era quase um monólogo, apenas ela pensava na dedicação. Mulheres sempre acreditam em relacionamentos. Homens desconfiam, nunca sabem como lidar com a decisão que nelas há de sobra e neles, faltam muitas vezes. Os cães sabem amar apaixonadamente sempre,com devoção pela vida toda. Não enjoam, sabem que o tempo não existe e que o agora é a única certeza. Instintivamente Fidel, como bom cão que era, sabia disso! Fazia tudo que ele poderia fazer, dentro do possível canino, para deixa-lá bem. Mostrava que Clarice, por mais chata ou inchada que estivesse, era única. A mais bonita, linda! E quando a via pensando, não entendia o porque ela parava. Sentia muito mais que via. Ele sentia quando ela estava triste e sabia que só um humano seria babaca ao ponto de magoar sua musa.


Um belo dia, desses que faz azul de manhã e cinza à tarde, o amor da rua e do lar se conhecem. Os dois em comum possuiam apenas Clarice em suas vidas e João, sendo homem, tinha olhos de cão arrependido. Fidel, naquele momento, olhou João com olhos de homem. Aliás, de homem pois no olhar havia ciúmes, mas eram olhos de amigo, um amigo vingativo. Ele estava diante daquele que fazia sua musa, dona, mãe, santa e tudo que eleva uma mulher à um status superior das demais mortais, ficar triste.
Fidel queria poder emitir sons humanos naquela hora, queria muito dizer:

- Cara, eu queria estar na sua pele! Ela é o melhor humano que conheço! Não joga fora esse privilégio, otário! -Mas se contentou com seus latidos.

João que não tinha cães, mas uma gata, sorria:

- Olha, que cãozinho bonito!- Entre os cantos da boca, procurando aproximação com o cão.

- Shiu! quieto, amiguinho!- Disse em tom sereno mas com pesada impaciência.

- Ele só está assim pois logo irá tomar banho!- Causa que Clarice disse apenas para amenizar a antipatia de Fidel por João.

Assim, a conversa entre homem e mulher seguiu. Fidel, ali parado, com cara de tacho. Com cara de cachorro, coçava. Deitou algumas vezes sobre os pés de Clarice, cochilou e quando uma pulga ou outro cão lhe despertava, latia e voltava para a mesma posição, algumas vezes de olhos abertos, outras não. Fidel pensava, sonhava... Mais pensava do que sonhava pois o cochilo foi falso. Ele apenas preferia pensar com os olhos fechados. Não queria acreditar no que via: sua Clarice como um doce, com carinho com um humano. Clarice era dele e vice-versa, isso na sua concepção de amor. Clarice realmente o amava, como um humano e seu bichinho de estimação. Fidel amava com o amor que Clarice queria um dia ser amada, por João ou não. Clarice queria um homem que a amasse como um cão, um amor decidido e leal. Fidel era o homem certo, que nasceu anatomicamente cão. Comparar um cão com o bicho homem, sem gênero, é covardia! Os cães são superiores por mais que nos olhem de baixo. A lealdade e a decisão canina é algo da espécie. Clarice com o tempo, aprendeu: o que faz uma mulher feliz é a decisão, que em muitos homens falta enquanto em todos os cães, sobra!





Jordana Braz

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Pombinha branca

Ele nasceu homem mas percebeu que era apenas um menino quando ao lado de uma mulher, fez-se tímido. Ela, que é uma mulher, se vê moça ao lado de um homem e uma menina gorda que de hora em hora, come para nutrir a ansiedade. Ela e Ele, desajeitados porém namorados; até quem não os conhece, sabe que existe uma felicidade que o sorriso e os olhos não escondem. Uma saudade ansiosa de menina gorda brota dentro da mulher quando ela não o vê; tudo assim ia... Tudo assim vai: daqui até o Paraguai, Uruguai, Xangai e até o corpo cansado começar a sentir"Ai!". É namoro novo, possui crises infantis, ciúmes juvenis e um companheirismo tão idoso... Cheira bem! Ela conversa com os cachorros da rua enquanto Ele fuma. Ele brisa olhando a rua e Ela, nua. Não, o caso deles não é físico; é um barato ter alguém só na palavra. Palavras... as mesmas que concordam e discordam; nem na felicidade tudo é um mar de rosas. O mar da felicidade é azul, da cor do mar mesmo, real. Felicidade sem lucidez não é felicidade, é mentira. Ela discorda dele, Ele discorda dela, porém, isso é normal. Eles não são um só e se um dia chegar a ser um, esse um será outra pessoa. Ele pensa em ter filhos. Ela quer cachorros e filhos. Será? É cedo! É lindo! "É o que ele quer", ela diz!

Feliz.



Jordana Braz

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Salto alto

O que passou sobre a ladeira eram apenas pés calçados sob um coração que não imaginava que mais acima, na cabeça, a mente divagava sobre o próprio coração. Não, não era sobre o coração; eram apenas divagações, já que minutos seguintes, assim que os pés calçados pararam, haveria algo, uma surpresa, que até então, possui adjetivo à combinar. Surpresas são surpresas em qualquer parte do planeta e assim como os pés e ladeiras, o folêgo some a cada passo, caso o corpo não esteja preparado para uma subida qualquer... Nunca será cem porcento, por mais que a autoconfiança substime uma característica humana, como a razão ou o medo. A ladeira foi caminho para pés calçados como o meu, com outros pés calçados. Pés calçados serão pés e calçados em qualquer parte do mundo mas talvez, dependa do sapato e há diferença quando se veste o primeiro salto agulha para um outro próximo. O primeiro salto agulha, coitado, é sempre o culpado quando aperta os pés, tombos e seus devidos machucados são resultados do pobre salto que nada mais foi um grande mestre; com o próximo salto o cuidado aparece, tanto na escolha do salto quanto na maneira como deve-se andar com ele. E quando pelas ruas o andar fica belo aos olhos dos homens e inspirador aos das mulheres, a lembrança do primeiro salto vem em forma de saudade sem motivo, daquela que lacrimeja os olhos e faz saltar pela boca baixinho " Ah meu primeiro sapato de salto alto..." e quando salta, não será tombos, vexames e cicatrizes dos vexaminosos tombos que trará a sensação de como foi o dia da compra do salto e da primeira vez que o vestiu; a sensação toma conta do presente no presente mesmo sendo do passado, onde mora para sempre porque Deus quis assim. "O que passou, passou" como diz o já idoso ditado popular. E deixando os sapatos e ladeiras de lado e vestindo os papéis de pessoas na história, sentir saudade sem motivos de alguém que já foi seu é normal. Não há amor, não há tesão em voltar com uma história bem ou mal encerrada, há somente saudade. É confuso como uma boca difere totalmente de outra: uma havia uma saudade quilometricamente apaixonada com outra que tem no cotidiano, uma saudade de metros... São tão diferentes em gostos e presença no tempo, já que uma é passado e a outra é presente, uma está aqui e a outra sabe lá por onde beija agora... Quem sabe! E será que há saudades da boca que nasceu comigo? Sabe-se lá, não importa! Apenas chorei pois percebi que o futuro chegou, tenho um novo salto que ainda laceio com mais cuidado. Não quero ter mais um salto quebrado e quanto ao meu primeiro salto alto, não existe mais, mas se mantém intacto na memória, na saudade.



Jordana Braz